quarta-feira, 7 de junho de 2017

Paul Singer, uma história do Brasil

Por Frei Betto
       Jornal GGN
Nem só de pão vivem homens e mulheres. Exigem também beleza e esperança como razão de vida. Precisam ser semeados para nascer, crescer, florescer e frutificar. Na cultura humana esses semeadores são chamados educadores.

      Rubem Alves ensinou a diferença entre professores e educadores. Os primeiros, como eucaliptos, crescem retos e esgotam o solo em seu entorno. Reproduzem conhecimentos de outros sem crítica, e não entendem a crítica ao próprio conhecimento. Repetem e obrigam os outros a repetir aquilo a que um dia também foram obrigados a aprender. Não criam, e impedem outros de criar.
      Já os educadores, esses sim quebram as regras e se entusiasmam ao observar a maravilha da criação que se dá pela troca, não pelo acúmulo; pela construção, não pela repetição.
      Paulo Freire talvez tenha sido o mais pródigo exemplo dessa relação dialética entre aprendiz e mestre. O que produz o aprendizado e o conhecimento é a troca. Quando ensino, aprendo, é só aprendo porque também ensino.
      Essa via de mão dupla é o que rege o mundo e permite que nós, seres humanos, possamos transcender. Mas nenhum conhecimento é neutro. Pelo contrário, a cabeça sempre pensa onde os pés pisam. E só se aprende e ensina aquilo que se vive. A vida é a matéria-prima do saber.
      Entre muitos mestres que se destacam no Brasil, merece relevância Paul Singer.
      Ele veio de fora do país, fugido do nazismo, e aqui fincou raízes profundas. Na juventude, irmanou-se à classe trabalhadora militando em movimentos progressistas. Jovem, filiou-se ao Partido Socialista e participou da greve dos 100 mil na condição de operário. Somente depois de ser trabalhador e militante atravessou a fronteira para ingressar na academia, onde se tornou pesquisador e professor.
      Como educador, sempre procurou o contraditório, o pensamento radical e profundo. E desse lugar de intelectual orgânico fez sombra para que gerações de militantes e intelectuais se formassem.
      Durante a ditadura militar, preso e compulsoriamente aposentado, ao se ver livre deu aulas clandestinas em São Paulo para formar especialistas em economia política.
      Paul Singer soube fazer da vida constante aprendizado e, aos 70 anos, se reinventou ao se dedicar à economia solidária. Foi o primeiro tradutor de O capital, de Marx, no Brasil, e participou do grupo de estudos dedicado a esta obra clássica, coordenado pelo professor Florestan Fernandes.
      Singer é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, do Cebrap, e muitas outras instituições que, nas últimas décadas, se voltaram à defesa dos direitos dos excluídos. Nos governos do PT, atuou por 13 anos como Secretário Nacional de Economia Solidária, uma década depois de ter sido secretário de Planejamento da prefeitura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina.
      Sua história merece ser contada. Precisa virar filme para que as novas e futuras gerações conheçam e aprendam sobre o Brasil e o mundo no olhar dessa pessoa profundamente humana que é Paul Singer. Este é o projeto que o diretor Ugo Giorgetti se propõe a levar adiante no filme Paul Singer, uma história do Brasil.
      Para apoiar a realização deste projeto militante e torná-lo realidade é preciso um mutirão solidário. Portanto, participe e colabore! Visite a página da campanha no Catarse: www.catarse.me/paulsinger

Frei Betto é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Anfiteatro), entre outros livros.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

No sertão do Seridó também se catam sonhos

Catadores da região do Seridó estão otimistas com o futuro do trabalho de coleta seletiva com ações iniciadas em Caicó e Parelhas.

Por Heverthon Rocha
No sertão do Seridó, famílias inteiras vivem exclusivamente dos resíduos sólidos urbanos que são depositados nos lixões. São os catadores de materiais recicláveis que constituem a base produtiva da cadeia de reciclagem do Brasil. Nas cidades de Caicó e Parelhas, onde estão os dois maiores lixões da região, nestes lixões, encontram-se 37 catadores organizados que de lá tiram seus sustentos, alimentam suas famílias e suprem suas necessidades mais básicas catando os que para muitos é mero lixo inservível.
Além dos catadores organizados, outras duas dezenas de catadores avulsos – que não estão em cooperativas ou associações de catadores – dividem o mesmo espaço, coletando vidros, papeis, metais e plásticos. O trabalho não é fácil. A catação e a triagem acontecem do nascer até o por do sol, a movimentação é frenética em busca dos melhores resíduos para oferecer aos seus clientes. São dezenas de idas e vindas, carregando sacos pesados nas costas. Chega a lembrar uma pequena fazenda de formigas.
Clécio Carvalho, jovem de 29 anos, natural de Carolina, cidadezinha no interior do estado do Maranhão, distante 874 quilômetros da São Luís. Aos 15 anos de idade chegou às terras potiguares para residir em Parelhas. Aos 18 anos começou sua jornada de trabalho no lixão da cidade, de onde não mais saiu.

Mesmo no lixão, catadores estão otimistas com o fortalecimento da coleta seletiva (Foto: Heverthon Rocha)
“Tenho orgulho de ser catador de materiais recicláveis. É daqui que tiro o meu sustento e alimento minha família”, disse Clécio com orgulho do trabalho que desempenha. Com a renda de média de R$ 600 que recebe mensalmente, sustenta dois filhos, sendo que um destes foi adotado por ele. “As coisas já foram mais difíceis, mas estão muito melhores agora com a ajuda de alguns parceiros.” Lembra o catador.
Para melhorar ainda mais as condições de vida dos catadores, instituições como a Fundação Banco do Brasil (FBB) e o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) aliaram forças e estão realizando no Rio Grande do Norte o curso de formação para logística solidária Cataforte II.
Caicoense de nascimento e catador no lixão de Caicó há mais de 16 anos, Alcides Belarmino, 46 anos, ex-servente de pedreiro, acredita que as atividades de catador tiveram um grande avanço nos últimos dois anos. “De uns anos para cá estamos tendo grandes conquistas. Contamos atualmente com o apoio de grupos religiosos e instituições nacionais que nos ajudam.” Destacou Alcides, que vive numa humilde residência na comunidade Frei Damião, as margens da RN 228.
Atualmente Alcides Belarmino é secretário geral da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Caicó, instituição fundada por ele e outros 21 catadores com o objetivo de se fortalecer e cobrar mais ações do poder público local. “Nossa organização começou com 11 pessoas, agora temos mais de vinte. Estamos felizes com tudo que já conquistamos.” Lembrou Alcides. “Recentemente passamos por diversos cursos de formação. Aprendemos sobre economia e logística solidária e estamos participando da construção da Rede Potiguar de Catadores”. Completou.
Tanto o Alcides quanto o Clécio são duas fortes lideranças do seguimento na região do Seridó. Ambos estão estudando e buscando melhores condições de vida para os outros catadores de materiais recicláveis da região.
Os catadores organizados em cooperativas e associações ainda são poucos. Mas com os cursos de formação realizados em parceria com a FBB e MNCR tem despertado o interesse dos catadores informais em integrar estes grupos. Segundo a mercadóloga Alexandra Rocha, que atuou como educadora nos projetos Cataforte I e II da FBB e MNCR, “o crescimento dos catadores só depende do quanto eles estão dispostos a unir-se”. Segundo ela, “esta união é importante para o empoderamento dos grupos, viabilizando ações de construção de políticas públicas e tomadas de decisões que os favoreçam”.

Para fugir da invisibilidade social, catadores passam por curso de formação em Caicó. (Foto: Heverthon Rocha)
Empoderar-se significa tomar por meio de ações coletivas desenvolvidas pelos indivíduos, por meio de participação em espaços privilegiados de decisões, ou de consciência social em busca de direitos, possibilitando a aquisição de uma emancipação individual, superando as dependências sociais e a dominação política.
Diante deste empoderamento adquirido em sala de aula e praticado no dia-a-dia, os catadores do sertão do Seridó estão colhendo, ou melhor, catando sonhos que são construídos com bases sólidas e com propósito nobres para o fortalecimento das cooperativas e associações de catadores que venham a surgir a partir desta luta.
Estes empreendimentos de economia solidária (EES) são a base de toda a cadeia de gestão de resíduos sólidos no Brasil e vem alimentando as indústrias da reciclagem há várias décadas. Infelizmente os catadores são historicamente explorados por atravessadores que têm a mão de obra especializada do catador uma rica fonte de renda.
“Com as formações constantes, nós, catadores de materiais recicláveis do Rio Grande do Norte, estamos aprendendo e colocando em prática nossa expertise em processar resíduos sólidos urbanos, quer sejam nos lixões, ou em coleta seletiva oficial, apoiada pelos municípios.” Finalizou Clécio Carvalho.

“Eu sou catador de materiais recicláveis”

Filho da terra potiguar, Severino Júnior ganha o mundo divulgando o trabalho dos catadores de materiais recicláveis.


Severino Júnior representa a mudança para os catadores de materiais recicláveis do RN (Foto: Heverthon Rocha)

Por Heverthon Rocha
A gestão dos resíduos sólidos no Brasil não é um processo novo, mas nos últimos dez anos esta atividade vem crescendo do ponto de vista ambiental, econômico e principal social com a inclusão dos catadores de materiais recicláveis nas ações de coleta seletiva que devem ser implementadas nos municípios.
Em 2007 foi publicada a Lei Federal nº 11.445 que estabeleceu as diretrizes para o saneamento básico, além de alterar outras leis com esse propósito. Uma destas alterações foi no artigo 24 da Lei Federal nº 8.666, conhecida como “Lei das Licitações”. Esta alteração dispensou de licitação e favoreceu a contratação para coleta, processamento e destinação final dos resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis por associações ou cooperativas de catadores.
Para fortalecer a Política Nacional de Saneamento Básico (PNSB), no ano de 2010 foi publicada a Lei Federal nº 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), nela os catadores são citados em diversas oportunidades, destacando-se o artigo 36, nos parágrafos 1º e 2º, que reafirma a dispensa de licitação para contratação das associações e cooperativas de catadores, o texto da lei também diz que o titular dos serviços de limpeza “priorizará a organização e o funcionamento de cooperativas [...] de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, bem como sua contratação”.
Diante deste cenário favorável aos catadores, surgem lideranças nacionais de luta em defesa dos catadores. A organização maior de representatividade da categoria é o Movimento Nacional dos Catadores Materiais Recicláveis (MNCR), que vem atuando há mais de dez anos, sendo fundado desde os primeiros debates sobre a criação da PNSB e PNRS.
Integram este movimento catadores articuladores de diversas partes do Brasil. O representante potiguar da categoria no MNCR é o Severino Francisco de Lima Júnior, 39 anos, filho de Dona Maria e Seu Severino. Nascido pequenino na cidade do Natal, o penúltimo filho de uma família de cinco irmãos, com duas mulheres. De família humilde e sem posses, aos doze anos de idade se viu diante da necessidade de trabalhar para ajudar o pai e a mãe a sustentar os irmãos.
Desde criança o lixão foi seu ambiente de trabalho, era deste ambiente hostil e insalubre que Severino tirava o seu sustento, inicialmente vendendo din-din – também conhecido como sacolé, chupa-chupa, big-bem, geladinho, chup-chup, juju, gelinho, laranjinha, suquinho, ou conforme a região do Brasil – uma bebida refrescante congelada em saquinho.
Aos poucos, Severino percebeu que poderia ganhar mais dinheiro catando resíduos, o que o levou posteriormente a ingressar na vida de catador de materiais recicláveis, começou catando papelão, papel, garrafas e latas. A vida no lixão não era fácil, além dos problemas com insalubridade e periculosidade, também tinha que conviver com a violência e a luta constante para não ser tragado pelo obscuro mundo das drogas.
Ao completar 18 anos, o agora adolescente Severino Júnior, saiu do lixão e se apresentou as Forças Armadas, serviu por três anos na Aeronáutica. Com o fim do serviço militar, Severino resolveu atuar no mercado formal em Natal, insatisfeito com os salários praticados e com a incompatibilidade laboral, volta seis meses depois para trabalhar no lixão de Cidade Nova.
E deste universo, que para muitos é somente lixo, Severino construiu sua vida profissional e familiar. Casou-se com Andréa Duarte Penha, e posteriormente foram abençoados com o nascimento dos filhos Gabriel e Gabrielle, que para ele “é a fonte maior de incentivo, inspiração e energia” para mantê-lo nesta batalha em busca da superação de dificuldades que os catadores enfrentam todos os dias.
No ano de 1999, fundou uma associação de catadores em Natal e passou a integrar, com o apoio do UNICEF, o ainda jovem MNCR, fortalecendo o movimento que apoia as bases da cadeia da reciclagem no Brasil. Militante permanente em busca de melhores condições de vida para os catadores, Severino Júnior roda o mundo apresentando os avanços e os desafios da atividade produtiva dos grupos de catadores do Brasil, além disso, ele tem a missão de “buscar novos parceiros que acreditem e que respeitem o profissionalismo dos catadores de materiais recicláveis”.
Para fortalecer o MNCR, Severino Prestou vestibular e atualmente cursa o segundo período da graduação executiva em administração. O que pode contribuir muito para o desempenho de sua função de articulador nacional.
O catador potiguar também é fundador e representante da Red Latinoamericana y del Caribe de Recicladores (Red LACRE) e a representa no comitê gestor de projetos, juntamente com a Fundación Avina (Suíça) e Bill & Melinda Gates Foundation (Estados Unidos).
 Essa história de lutas e muitas vitórias renderam a Severino Júnior, inúmeros reconhecimentos públicos de instituições nacionais e internacionais. Severino se alegra por seus mais de 23 anos dedicados a coleta seletiva, para ele é uma grande satisfação “promover a preservação do meio ambiente e o fortalecimento dos grupos catadores de materiais recicláveis”.
Dentre as principais conquistas de Severino, destacam-se a aprovação das políticas nacionais de Saneamento Básico (PNSB) e Resíduos Sólidos (PNRS); a implementação da coleta seletiva na cidade de Natal; contratação das cooperativas de Natal com remuneração por serviços prestados em coleta seletiva.
 Severino é um catador que rompeu os limites do território potiguar e ganhou o mundo, teve participação nas reuniões da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP15 e 16, além de ter participado das reuniões de cúpula durante a Rio+20 e também nas reuniões preparativas na cidade alemã de Bonn. Severino tem assento como titular no Grupo Técnico de Trabalho de Embalagens do Ministério do Meio Ambiente, que busca estabelecer acordo setorial para destinação adequada das embalagens por meio da logística reversa.
A mais recente luta do potiguar incansável é a aprovação da PEC 309, a “PEC dos Catadores”, que prevê a inclusão da categoria como segurados especiais da Previdência Social.
Severino percorre o mundo levando na bagagem o conhecimento que a vida lhe deu e no peito o orgulho de ser um catador de materiais recicláveis.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A história de uma catadora de sonhos

“Eu tenho orgulho de minha origem”, diz Rosicleide, que já trabalhou em lixão e vai se formar em Pedagogia


Por Heverthon Rocha*

Era uma tarde de sábado. O calendário marcava 16 de abril de 1977, quando, na Maternidade das Quintas, nascia Rosicleide Manço do Nascimento, filha de João Pereira do Nascimento e Maria das Graças Manço do Nascimento. Rose, como hoje é conhecida, foi a terceira filha de uma família de seis - quatro mulheres e dois homens.
Desde garotinha ela acompanhava os irmãos durante o trabalho de catação de resíduos recicláveis, em meio a urubus e porcos, no antigo lixão de Natal, no bairro de Cidade Nova. Os irmãos catavam e separavam, enquanto Rose ajudava tomando conta para que ninguém furtasse o que já havia sido juntado.
        De memória excelente, ela ainda lembra dos dias difíceis no que os catadores chamam de “forno do lixo”. Rose relata que “os caminhões chegavam e tinha aquela multidão de pessoas, cada um com seus ganchos, catando plástico, papel, vidro, alumínio e outras coisas. Cada um tinha seus canteiros, com barraquinhas de madeira e papelão, e eu ficava com meus irmãos fazendo a triagem dos materiais para vender”. 
         Durante muitos anos viveu sem oportunidades, sem garantias de um futuro melhor. Vendo-se em meio a todo o lixo domiciliar descartado e coletado na cidade do Natal e com a força e salários do trabalho do pai gari e da mãe costureira, se manteve estudando, sempre em escola pública, até concluir o segundo grau. Com o fim do lixão, em 2004, Rosicleide se viu em meio a uma dúvida que dizia respeito a seu futuro como cidadã. O que fazer a partir daquele momento? “Terminei o ensino médio e não tinha perspectiva nenhuma”, disse Rosicleide. “Meu trabalho era no lixão. Não fazia outra coisa”.
Com o fim do lixão de Cidade Nova, os catadores tiveram que ser inseridos em associações. A Prefeitura do Natal teve que realizar diversos cursos de formação para os catadores, daí veio a primeira oportunidade que Rosicleide aguardava. Sendo conhecedora nata da história e modo de vida dos catadores, foi trabalhar num projeto de alfabetização mantido pelo Instituto Paulo Freire/Mova-Brasil. “Fui convidada para alfabetizar os catadores. Fiquei preocupada no início, mas não perdi a oportunidade e aceitei. Enfrentei a timidez e meus medos e fui”, relatou, com um sorriso no rosto. Depois participou de projetos do BB Educar e da Prefeitura do Natal.
Para alfabetizar os catadores, a maioria adultos, Rosicleide utilizou como instrumento de ensino a vida dos próprios alunos. “Eu os ensinava a ler e a escrever de acordo com a realidade deles. De acordo com a realidade da coleta seletiva, do antigo lixão, da comunidade e da sociedade na qual estão inseridos. Sempre trabalhei com a pedagogia segundo Paulo Freire”, contou, com orgulho. “Na época nem sabia quem era Paulo Freire, mas já aplicava seus ensinamentos intuitivamente”.
Agora motivada, a catadora de sonhos resolveu investir na carreira de educadora e a perseguir um objetivo maior, o de ser pedagoga. Mas Rose sabia que as coisas não seriam fáceis. “Eu fiquei pensando: como vou fazer um curso superior se não tenho condições de comprar livros para estudar?”. A solução, ela encontrou na própria coleta seletiva. Rose iniciou uma incessante busca por materiais didáticos no meio de tantos resíduos que coletava diariamente. Aos poucos foi montando uma biblioteca particular com livros de língua portuguesa, matemática, história, geografia e tantos outros que possibilitaram a ela estudar para o vestibular.
Rosicleide relata que em certo momento pensou em desistir, mas teve o apoio do marido, José Paulírio, que também é catador, e de sua ex-professora Meiriane Barata. “Senti-me desmotivada, mas eles me deram muito incentivo para continuar minha luta. Sou grata aos dois por isso”, explicou, exibindo nos olhos humildade a gratidão. “Estudei e passei no vestibular. Hoje estou no sétimo período de Pedagogia e me formo no final do ano. Pretendo ir além. Não vou parar numa graduação”, comemorou.
Atuando como alfabetizadora dos catadores há mais de seis anos, Rosicleide pretende fazer especialização em meio ambiente, com ênfase na coleta seletiva, e ajudar a melhorar a vida dos demais catadores. “Quero dar a mesma oportunidade que tive aos meus companheiros de trabalho”.
Em fevereiro de 2012, Rosicleide assumiu um novo desafio, o de se tornar educadora catadora no projeto Cataforte, do Governo Federal, que tem como objetivo o fortalecimento do associativismo e cooperativismo dos catadores de materiais recicláveis, com 160 alunos matriculados. “Estar inserida neste processo é tudo para mim. Estou vivenciando coisas diferentes. Antes eu alfabetizava catadores, agora ensino aos catadores sobre economia solidária. São ensinamentos e aprendizados distintos”, comparou.
Acompanhando um desses momentos de aula de Rosicleide, percebi que existe uma relação de cumplicidade entre a educadora e os educandos. “Sinto-me realizada. Estou compartilhando com eles a minha história e também incentivando-os para que não parem de estudar. Para que procurem se desenvolver tanto como profissionais, quanto como cidadãos. Nesse processo construo com eles uma nova perspectiva de vida, como construi a minha”, diz, com os olhos marejados e escondidos atrás das lentes claras dos óculos.
Além de alfabetizar cerca de 300 catadores de materiais recicláveis, Rosicleide Manço afirma com orgulho e satisfação que foi ela quem despertou o desejo do pai, até então analfabeto, de aprender a ler. “Eu alfabetizei meu pai e minha mãe ficou motivada a frequentar o Ensino de Jovens e Adultos. Hoje ela lê e escreve poesias. Minha mãe é uma poetisa”.
Da história de vida de Rosicleide Manço do Nascimento tirei grandes ensinamentos. Principalmente, o de que nunca é tarde para buscar crescer na vida. Correr atrás do crescimento pessoal, sobretudo, dando importância ao bem estar dos outros. E sempre com orgulho do que fazemos e de quem somos. “Eu tenho orgulho de minha origem. Tenho orgulho de dizer que sou catadora de materiais recicláveis”, concluiu a catadora de sonhos.

* Heverthon Jeronimo da Rocha é graduado em Gestão Ambiental, especialista em Educação Ambiental e Direito Ambiental e graduando em Comunicação Social.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Rio+20: Um insípido fracasso de lideranças

Por Heverthon Rocha


          Confesso que a carga de campanhas publicitarias disparadas nos mais variados meios de comunicação até que me atraíram. Digo mais, quase me convenceram de que tudo sairia bem. Cheguei a pensar que a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, ou Rio+20, seria o início das soluções dos problemas ambientais que vem sendo discutidos exaustivamente desde a Rio92, que fracassou. Mas não foi.
Participei durante quatro exaustivos dias dos “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável”, evento oficial da Rio+20, que aconteceu no Riocentro entre os dias 16 e 19 de junho. Na plenária estavam cerca de dois mil representantes da sociedade civil, eu fui um deles. Os textos apresentados, já formatados, sem possibilidade real de mudanças, nos eram apesentados para que utopicamente escolhêssemos as prioridades. De cada tema eram apresentadas dez recomendações, das quais deveríamos votar em três. Que legal! Pensei vibrante. Era a democracia na prática. Balela. Tudo já estava decidido. Nós votávamos e não escolhíamos nada.
Temas importantes como resíduos sólidos, padrões de consumo e descarte de resíduos, educação ambiental, coleta seletiva e a própria reciclagem, temas que de minha perspectiva de gestor ambiental, representam os grandes males e respectivas soluções para os problemas da vida moderna.
O que não faltou mesmo foram propostas para criar comissões e realizar novas conferências. Num mundo onde, quem não quer resolver nada, monta comissão ou faz reunião, é um prato cheio. O Brasil que o diga, com tantas CPIs que acabam em pizza, feijoada, rabada aos banhos de cachoeira e pagas com mensalão.
A tão esperada conferência foi na verdade uma aparente oportunidade para que chefes de estado pudessem, oficialmente, se reunirem e fazerem turismo pela segura, ao menos nestes dias, Cidade Maravilhosa.
Na madrugada do dia 19, direta das redes sociais, vinham as notícias que os cabeças do evento, estavam reunidos, as 2 horas daquela madrugada fria carioca com um texto pronto. O que não havia sido feito em 20 longos anos, ficou pronto numa madrugada.
“Fracasso de lideranças” e “insípido” foram algumas das classificações apresentadas ao final da Conferência, que para mim, fracassou antes mesmo de começar. Fracassou quando não permitiu a participação mais ampla da sociedade na construção do texto base da Rio+20. Quando não possibilitou diálogos que garantissem o valor do voto da sociedade civil. O que se ouvia dos moderadores era que essa ou aquela recomendação já estava aprovada. Por quem? Quando? Como? Um mistério que ninguém viu.
Para este gestor ambiental, ambientalista convicto e que muitas vezes é rotulado de eco-chato, que vos escreve, a frase que melhor resumiu a Rio+20 foi a do vice-premiê britânico, Nick Clegg, quando disse que: “Este é um daqueles momentos únicos em uma geração, quando o mundo precisa de visão, compromisso e, acima de tudo, liderança. Tristemente, o documento atual é um fracasso de liderança”.
Bom mesmo estava lá no Aterro do Flamengo. Com os jovens cantando, os índios dançando e os povos em sua cúpula vendo tudo passar sem se dar conta que nada vai mudar. Uma multidão de pessoas que buscaram entender a história da humanidade, mensurar a sua pegada ecológica ou somente ver os belos trabalhos apresentados no Forte de Copacabana. Tudo passou e nada ficou. Talvez belas fotos. Boas lembranças. Mas e o meio ambiente? Esse deixa que vamos discutir na Rio+40.
Então foi isso que vi, ou melhor, o que não consegui ver durante a Rio+20. Se me perguntarem: Como assim? Empossar-me-ia, mesmo que temporariamente, das palavras de um sábio nordestino, nascido das ideias de Ariano Suassuna e eternizado na obra O Auto da Compadecida, o Chicó, e responderia: "Não sei, só sei que foi assim".
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