Por Heverthon Rocha
No sertão do Seridó, famílias inteiras vivem exclusivamente dos
resíduos sólidos urbanos que são depositados nos lixões. São os catadores de
materiais recicláveis que constituem a base produtiva da cadeia de reciclagem
do Brasil. Nas cidades de Caicó e Parelhas, onde estão os dois maiores
lixões da região, nestes lixões, encontram-se 37 catadores organizados que de
lá tiram seus sustentos, alimentam suas famílias e suprem suas necessidades
mais básicas catando os que para muitos é mero lixo inservível.
Além dos catadores organizados, outras duas dezenas de catadores
avulsos – que não estão em cooperativas ou associações de catadores – dividem o
mesmo espaço, coletando vidros, papeis, metais e plásticos. O trabalho não
é fácil. A catação e a triagem acontecem do nascer até o por do sol, a
movimentação é frenética em busca dos melhores resíduos para oferecer aos seus
clientes. São dezenas de idas e vindas, carregando sacos pesados nas costas.
Chega a lembrar uma pequena fazenda de formigas.
Clécio Carvalho, jovem de 29 anos, natural de Carolina,
cidadezinha no interior do estado do Maranhão, distante 874 quilômetros da São
Luís. Aos 15 anos de idade chegou às terras potiguares para residir em
Parelhas. Aos 18 anos começou sua jornada de trabalho no lixão da cidade, de
onde não mais saiu.
Mesmo no lixão, catadores estão otimistas com o fortalecimento da coleta seletiva (Foto: Heverthon Rocha)
“Tenho orgulho de ser
catador de materiais recicláveis. É daqui que tiro o meu sustento e alimento
minha família”, disse Clécio com orgulho do trabalho que desempenha. Com a
renda de média de R$ 600 que recebe mensalmente, sustenta dois filhos, sendo
que um destes foi adotado por ele. “As coisas já foram mais difíceis, mas estão
muito melhores agora com a ajuda de alguns parceiros.” Lembra o catador.
Para melhorar ainda mais
as condições de vida dos catadores, instituições como a Fundação Banco do
Brasil (FBB) e o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis
(MNCR) aliaram forças e estão realizando no Rio Grande do Norte o curso de
formação para logística solidária Cataforte II.
Caicoense de nascimento e
catador no lixão de Caicó há mais de 16 anos, Alcides Belarmino, 46 anos,
ex-servente de pedreiro, acredita que as atividades de catador tiveram um
grande avanço nos últimos dois anos. “De uns anos para cá estamos tendo grandes
conquistas. Contamos atualmente com o apoio de grupos religiosos e instituições
nacionais que nos ajudam.” Destacou Alcides, que vive numa humilde residência
na comunidade Frei Damião, as margens da RN 228.
Atualmente Alcides
Belarmino é secretário geral da Associação de Catadores de Materiais
Recicláveis de Caicó, instituição fundada por ele e outros 21 catadores com o
objetivo de se fortalecer e cobrar mais ações do poder público local. “Nossa
organização começou com 11 pessoas, agora temos mais de vinte. Estamos felizes
com tudo que já conquistamos.” Lembrou Alcides. “Recentemente passamos por
diversos cursos de formação. Aprendemos sobre economia e logística solidária e
estamos participando da construção da Rede Potiguar de Catadores”. Completou.
Tanto o Alcides quanto o
Clécio são duas fortes lideranças do seguimento na região do Seridó. Ambos
estão estudando e buscando melhores condições de vida para os outros catadores
de materiais recicláveis da região.
Os catadores organizados
em cooperativas e associações ainda são poucos. Mas com os cursos de formação
realizados em parceria com a FBB e MNCR tem despertado o interesse dos
catadores informais em integrar estes grupos. Segundo a mercadóloga Alexandra
Rocha, que atuou como educadora nos projetos Cataforte I e II da FBB e MNCR, “o
crescimento dos catadores só depende do quanto eles estão dispostos a unir-se”.
Segundo ela, “esta união é importante para o empoderamento dos grupos,
viabilizando ações de construção de políticas públicas e tomadas de decisões
que os favoreçam”.
Para fugir da invisibilidade social, catadores passam por curso de formação em Caicó. (Foto: Heverthon Rocha)
Empoderar-se significa
tomar por meio de ações coletivas desenvolvidas pelos indivíduos, por meio de
participação em espaços privilegiados de decisões, ou de consciência social em
busca de direitos, possibilitando a aquisição de uma emancipação individual,
superando as dependências sociais e a dominação política.
Diante deste empoderamento
adquirido em sala de aula e praticado no dia-a-dia, os catadores do sertão do
Seridó estão colhendo, ou melhor, catando sonhos que são construídos com bases
sólidas e com propósito nobres para o fortalecimento das cooperativas e
associações de catadores que venham a surgir a partir desta luta.
Estes empreendimentos de
economia solidária (EES) são a base de toda a cadeia de gestão de resíduos
sólidos no Brasil e vem alimentando as indústrias da reciclagem há várias
décadas. Infelizmente os catadores são historicamente explorados por
atravessadores que têm a mão de obra especializada do catador uma rica fonte de
renda.
“Com as formações
constantes, nós, catadores de materiais recicláveis do Rio Grande do Norte,
estamos aprendendo e colocando em prática nossa expertise em processar resíduos
sólidos urbanos, quer sejam nos lixões, ou em coleta seletiva oficial, apoiada
pelos municípios.” Finalizou Clécio Carvalho.
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