segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

“Eu sou catador de materiais recicláveis”

Filho da terra potiguar, Severino Júnior ganha o mundo divulgando o trabalho dos catadores de materiais recicláveis.


Severino Júnior representa a mudança para os catadores de materiais recicláveis do RN (Foto: Heverthon Rocha)

Por Heverthon Rocha
A gestão dos resíduos sólidos no Brasil não é um processo novo, mas nos últimos dez anos esta atividade vem crescendo do ponto de vista ambiental, econômico e principal social com a inclusão dos catadores de materiais recicláveis nas ações de coleta seletiva que devem ser implementadas nos municípios.
Em 2007 foi publicada a Lei Federal nº 11.445 que estabeleceu as diretrizes para o saneamento básico, além de alterar outras leis com esse propósito. Uma destas alterações foi no artigo 24 da Lei Federal nº 8.666, conhecida como “Lei das Licitações”. Esta alteração dispensou de licitação e favoreceu a contratação para coleta, processamento e destinação final dos resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis por associações ou cooperativas de catadores.
Para fortalecer a Política Nacional de Saneamento Básico (PNSB), no ano de 2010 foi publicada a Lei Federal nº 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), nela os catadores são citados em diversas oportunidades, destacando-se o artigo 36, nos parágrafos 1º e 2º, que reafirma a dispensa de licitação para contratação das associações e cooperativas de catadores, o texto da lei também diz que o titular dos serviços de limpeza “priorizará a organização e o funcionamento de cooperativas [...] de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, bem como sua contratação”.
Diante deste cenário favorável aos catadores, surgem lideranças nacionais de luta em defesa dos catadores. A organização maior de representatividade da categoria é o Movimento Nacional dos Catadores Materiais Recicláveis (MNCR), que vem atuando há mais de dez anos, sendo fundado desde os primeiros debates sobre a criação da PNSB e PNRS.
Integram este movimento catadores articuladores de diversas partes do Brasil. O representante potiguar da categoria no MNCR é o Severino Francisco de Lima Júnior, 39 anos, filho de Dona Maria e Seu Severino. Nascido pequenino na cidade do Natal, o penúltimo filho de uma família de cinco irmãos, com duas mulheres. De família humilde e sem posses, aos doze anos de idade se viu diante da necessidade de trabalhar para ajudar o pai e a mãe a sustentar os irmãos.
Desde criança o lixão foi seu ambiente de trabalho, era deste ambiente hostil e insalubre que Severino tirava o seu sustento, inicialmente vendendo din-din – também conhecido como sacolé, chupa-chupa, big-bem, geladinho, chup-chup, juju, gelinho, laranjinha, suquinho, ou conforme a região do Brasil – uma bebida refrescante congelada em saquinho.
Aos poucos, Severino percebeu que poderia ganhar mais dinheiro catando resíduos, o que o levou posteriormente a ingressar na vida de catador de materiais recicláveis, começou catando papelão, papel, garrafas e latas. A vida no lixão não era fácil, além dos problemas com insalubridade e periculosidade, também tinha que conviver com a violência e a luta constante para não ser tragado pelo obscuro mundo das drogas.
Ao completar 18 anos, o agora adolescente Severino Júnior, saiu do lixão e se apresentou as Forças Armadas, serviu por três anos na Aeronáutica. Com o fim do serviço militar, Severino resolveu atuar no mercado formal em Natal, insatisfeito com os salários praticados e com a incompatibilidade laboral, volta seis meses depois para trabalhar no lixão de Cidade Nova.
E deste universo, que para muitos é somente lixo, Severino construiu sua vida profissional e familiar. Casou-se com Andréa Duarte Penha, e posteriormente foram abençoados com o nascimento dos filhos Gabriel e Gabrielle, que para ele “é a fonte maior de incentivo, inspiração e energia” para mantê-lo nesta batalha em busca da superação de dificuldades que os catadores enfrentam todos os dias.
No ano de 1999, fundou uma associação de catadores em Natal e passou a integrar, com o apoio do UNICEF, o ainda jovem MNCR, fortalecendo o movimento que apoia as bases da cadeia da reciclagem no Brasil. Militante permanente em busca de melhores condições de vida para os catadores, Severino Júnior roda o mundo apresentando os avanços e os desafios da atividade produtiva dos grupos de catadores do Brasil, além disso, ele tem a missão de “buscar novos parceiros que acreditem e que respeitem o profissionalismo dos catadores de materiais recicláveis”.
Para fortalecer o MNCR, Severino Prestou vestibular e atualmente cursa o segundo período da graduação executiva em administração. O que pode contribuir muito para o desempenho de sua função de articulador nacional.
O catador potiguar também é fundador e representante da Red Latinoamericana y del Caribe de Recicladores (Red LACRE) e a representa no comitê gestor de projetos, juntamente com a Fundación Avina (Suíça) e Bill & Melinda Gates Foundation (Estados Unidos).
 Essa história de lutas e muitas vitórias renderam a Severino Júnior, inúmeros reconhecimentos públicos de instituições nacionais e internacionais. Severino se alegra por seus mais de 23 anos dedicados a coleta seletiva, para ele é uma grande satisfação “promover a preservação do meio ambiente e o fortalecimento dos grupos catadores de materiais recicláveis”.
Dentre as principais conquistas de Severino, destacam-se a aprovação das políticas nacionais de Saneamento Básico (PNSB) e Resíduos Sólidos (PNRS); a implementação da coleta seletiva na cidade de Natal; contratação das cooperativas de Natal com remuneração por serviços prestados em coleta seletiva.
 Severino é um catador que rompeu os limites do território potiguar e ganhou o mundo, teve participação nas reuniões da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP15 e 16, além de ter participado das reuniões de cúpula durante a Rio+20 e também nas reuniões preparativas na cidade alemã de Bonn. Severino tem assento como titular no Grupo Técnico de Trabalho de Embalagens do Ministério do Meio Ambiente, que busca estabelecer acordo setorial para destinação adequada das embalagens por meio da logística reversa.
A mais recente luta do potiguar incansável é a aprovação da PEC 309, a “PEC dos Catadores”, que prevê a inclusão da categoria como segurados especiais da Previdência Social.
Severino percorre o mundo levando na bagagem o conhecimento que a vida lhe deu e no peito o orgulho de ser um catador de materiais recicláveis.

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